terça-feira, 14 de agosto de 2012

Fim de Noite

Saiu do bar cruzando os passos e esbarrando em cadeiras. Entregou a comanda paga e resmungou algumas palavras que homem da portaria, atrás de um bigode branco e escondido dentro de uma jaqueta de couro duas vezes maior que ele, sequer compreendeu. 
Deu mais alguns passos, sentou no cordão da calçada e gritou: “Garçom! Uma bebida, por favor!”
A noite já estava acabando, uns caras que 
bebiam por perto olharam e riram daquela estranha sentada na calçada. Tinha os cabelos loiros e desarrumados, o rosto borrado, o vestido sujo de vinho mas, apesar de tudo isso, ainda parecia bonita. Mesmo escondidos atrás do negro rímel, seus olhos verdes sempre encantavam.
Gritou por bebida mais uma ou duas vezes. Não conseguiu nada além de mais risos. Baixou a cabeça, olhou para as pertas já pálidas com o frio e pensou que há certas noites que são frias demais. Essas noites começam congelando os pés como qualquer outra noite fria, mas não param por aí. E não importa quantos casacos, meias ou calças você coloque, há certas noites que são frias demais. Mas é um frio estranho. Esse frio que deixa tudo cinza. Que gela a alma e aperta o coração. É um frio diferente, que independe do número de roupas ou cobertores que você usa. Tem mais a ver com o número de pessoas a sua volta. E não é qualquer tipo de pessoa. Só aquelas que se importam com você. Quanto menos delas, mais frio se sente. E os casacos ao invés de esquentar, sufocam; apertam e tudo que você consegue sentir por eles - e por todas as outras coisas do mundo - é uma raiva apertadamente sem motivos, mas que consome, que vibra e grita mais alto do que sua própria voz poderia. Há certas noites, como essa, que são frias demais e só o que se deseja é não estar sozinha nesse frio. Mas geralmente, se está. “Uma bebida por favor!” - gritou mais uma vez.
Levantou da calçada e fez sinal para o primeiro taxi que apareceu. “Avenida Oitenta e Três, número oito, tio.”
Abriu o portão do prédio, passou pelo hall, entrou no elevador apertado - pequeno demais para um edifío daquele tamanho - e apertou o dez. Escorou a cabeça na perede do elevador e olhou sua imagem no espelho. A respiração fez com que o vidro ficasse embaçado. Levantou o braço esquerdo e desenhou um rosto feliz no lugar do seu. “Sorrisos falsos para reflexos falsos. Como lá fora.” - falou enquanto a porta se abria e ela revirava a bolsa procurando as chaves do apartamento.
Esbarrando nas paredes, entrou, jogou os sapatos em um canto, a bolsa em outro e serviu mais uma dose de uísque, sem gelo. Enquanto bebia foi para a sacada. Já começava a amanhecer. Passou os pés por cima da mureta e sentou-se alí, com o uísque na mão e os pés balançando ao vento, no alto dos dez andares. Dalí vía-se quase toda cidade.
Olhou para o terço de sol que já havia nascido e sorriu. Talvez o único sorriso sincero da noite. Da semana. Do mês. Da vida.
Seu rosto trazia a expressão cansada de horas de bebedeira, mas seu olhos íam além. Pareciam vazios, sem brilho.
Pensou nas contas pra pagar, no emprego de merda, no chefe cretino e nos poucos amigos esquecidos. O que lhe incomodava não eram os convites não feitos, mas sim os feitos da boca pra fora. E havia muitos desses. Imaginou já estar cansada de tantos sorrisos falsos, de gente que defende o sim, mas só usa o não e de tantos livros julgados só pela capa. Bebeu mais um gole, largou o copo na mureta da sacada e sorriu mais uma vez.
“Por que não?” - falou, ainda com o sorriso nos lábios.
E pulou.

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