quarta-feira, 26 de maio de 2010

Boa Noite

Lá fora o carro de som anuncia o fim do mundo. Outra convocação para uma missa da Igreja Universal.
-Universal! exclama meu irmão, enquanto mostra um aparelho em suas mãos – um carregador universal. Carrega qualquer tipo de bateria de celular.
Ligou o aparelho em uma tomada a fim de testá-lo e já fazer uso da nova aquisição. Luzes coloridas saem do carregador, azul, vermelho, verde, amarelo, é fascinante. “Todos os tipos de bateria! Que aparelhinho incrível” – penso, enquanto sorrio e me preparo para dormir.
Aos pés da cama, há um pequeno guarda-roupa que divide o quarto ao meio, de costas para mim e de frente para a lateral da cama de meu irmão. Enquanto espero o sono chegar, observo, no escuro, as luzes coloridas do carregador refletidas, agora mais intensamente, nas costas do guarda-roupa. As cores ditam um ritmo frenético que proporcionam um verdadeiro show de luzes.
O tempo passa, o sono não chega. Já escuto um ronco baixo vindo do outro lado do quarto. O barulho aumenta. Já é a décima vez que mudo de posição na cama. Mesmo com os olhos fechados ainda noto a luz do carregador piscando incessantemente. Abro os olhos. Na rua, o som de uma ambulância combina com a luz dentro do quarto.
Chamo meu irmão uma vez, para ver se ele acorda. Sem sucesso, volto a me revirar na cama. Mais alguns minutos se passam, o barulho agora já se confunde com o som dos carros que passam. Apóio os pés no guarda-roupa. Ele balança.
Insuportável! Mas é meu irmão – penso, enquanto encolho as pernas.
Contar carneiros talvez ajude. Me pego imaginando-os pulando a cerca branca de uma bonita fazenda. Até os carneiros roncam.
A luz parece piscar cada vez mais rápida. O ronco agora é constante. Fecho os olhos, mas não consigo pensar em mais nada a não ser, no leão que ruge a poucos metros e no maldito show de luzes coloridas. O fim do mundo anunciado mais cedo, agora não me parece mais tão absurdo. Novamente escoro os pés nas costas do guarda-roupa. Mais uma vez, ele balança. Ouço um último roncar. Não resisto. Agora sim que não durmo mais.

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