O que segue não é um conto ou uma grande história, mas, confissões – se assim se pode chamar. Confissões de um cansaço da alma, desse jogo de falsas promessas e “Eu te amos” sem sentido, onde até mesmo meu mais simples “bom dia” têm mais sentimento que as palavras que dizes em vão.
“Te amo”, quando dizes tem tão pouca força, que se torna banal, comum. “Te amos” populares, como meros reflexos da indústria cultural e anseios comerciais, que em nada têm haver com outras pessoas. “Amo a televisão”, “amo o MacDonalds”, amo, amo, amo. São tantos , proferidos a toda hora, que perdem o sentido. Perdem o próprio amor. Amor esse, que a própria palavra – ou quem a diz – quiçá ousa ter.
Por isso, quando me dizes, não acredito. E não acredito não por não querer acreditar. Duvido mais pelo conhecimento empírico do que pelo próprio querer ou simples vontade. Me amas agora, da boca pra fora, não de fato. Em cinco minutos me esqueces, e com a mesma alegria dizes à outro, outra vez, “te amo”.
Segues de falsos em falsos amores, que duram não mais que o próprio ecoar dos “te amos” ditos. Dias, horas, minutos. Às vezes, tão pouco, que acabam no exato momento que pronunciados.
Dizes não como certeza, mas como argumento. E repete uma, duas, mil vezes na ânsia de convencer-se. Porém, indubitavelmente, tudo acaba.
No outro dia – e gostaria que tal prazo fosse exagerado – amas um próximo. Mas não com a mesma intensidade. Amas mais, ou ao menos, assim dizes.
Grita aos quatro cantos, aos ventos, à quem quiser ouvir, dez mil vezes “eu te amo”. Sem saber que bastaria apenas uma. Sussurrada, quando talvez nem mesmo o próprio objeto amado ouvisse. Não mais, um grito exibicionista ou anseio fútil, mal acostumado e sem sentido. Desta vez, um quase involuntário soluço d’alma que, mesmo contra a vontade, deixa-se escapar e revela o que há tempos se via em cada sorriso ou olhar discreto. Este sim, mesmo sussurrado, ecoaria ao longe e duraria tanto tempo quanto a própria alma que, inocente, ousara dizê-lo.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
Te odeio
Entra correndo e fecha porta do quarto com tanta força que o barulho ecoa pela casa inteira. Bate com as costas na porta e lentamente escorrega até o chão. Sentada na pedra fria, sente um vazio tão intenso e assustador que parece que nada que diga ou faça vai preenchê-lo, nunca. Tem a nítida sensação de que algo lhe está sendo arrancado do peito. Sozinha nesse quarto escuro consegue enxergar, em um armário ao seu lado, uma garrafa de uísque. Arrasta-se até ela, tira a tampa e bebe goles e mais goles. Puros, secos e quentes goles de uísque amargo. Num amargo d’alma, do que sente, do que não queria sentir. Ela bebe, na inútil esperança de melhorar. Como se o gosto amargo do uísque fosse apagar a cena que acabara de ver. Como se ficar bêbada a fizesse esquecer-se dele beijando outra. Não esquece; tão pouco melhora.
Fecha os olhos e uma lágrima, tão solitária quanto ela, escorre junto aos restos negros da maquiagem que borra o branco do seu rosto. Rosto esse, que antes parecia o de um anjo e agora não passa de um retrato grotesco de desespero. Abre a boca e com a voz rouca e melancólica sussurra, sem forças, sem esperanças: - te odeio – como que tentando convencer a si, mais uma vez - te odeio. A voz aos poucos vai aumentando, ganhando força, raiva - te odeio, te odeio - aumenta mais e mais - te odeio - e ela grita o mais alto que consegue suportar, grita para todos, para ninguém, para si, pela última vez -TE ODEIO. E chora, copiosamente, chora. Aos soluços, já nem perde mais tempo enxugando as lágrimas, deixa que corram e molhem o chão frio.
O nó na garganta parece aumentar cada vez mais, o peito aperta, tudo é sufocante, agonizante. Mais um gole do uísque, mais uma lágrima. Tomada pelo cansaço, lentamente, vai adormecendo, porém não antes que o vazio sussurre-lhe aos ouvidos mais uma vez: - te odeio.
Fecha os olhos e uma lágrima, tão solitária quanto ela, escorre junto aos restos negros da maquiagem que borra o branco do seu rosto. Rosto esse, que antes parecia o de um anjo e agora não passa de um retrato grotesco de desespero. Abre a boca e com a voz rouca e melancólica sussurra, sem forças, sem esperanças: - te odeio – como que tentando convencer a si, mais uma vez - te odeio. A voz aos poucos vai aumentando, ganhando força, raiva - te odeio, te odeio - aumenta mais e mais - te odeio - e ela grita o mais alto que consegue suportar, grita para todos, para ninguém, para si, pela última vez -TE ODEIO. E chora, copiosamente, chora. Aos soluços, já nem perde mais tempo enxugando as lágrimas, deixa que corram e molhem o chão frio.
O nó na garganta parece aumentar cada vez mais, o peito aperta, tudo é sufocante, agonizante. Mais um gole do uísque, mais uma lágrima. Tomada pelo cansaço, lentamente, vai adormecendo, porém não antes que o vazio sussurre-lhe aos ouvidos mais uma vez: - te odeio.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Maldito
Sentado, ainda com um taco de sinuca na mão, em uma mesa amarela, de plástico, em um boteco barato. Termino minha cerveja, já quente, e peço outra ao garçom. Olho pra frente e vejo-a vindo em minha direção. Magra, alta, com a pele clara. Muito clara. Inclina-se na minha direção e uma mecha de cabelo, tão vermelha quanto o fogo, lhe cai sobre o rosto. Deus, que cheiro! - penso, enquanto ela oferece-me a face para um beijo de despedida. É tarde, e enquanto eu ainda estou no meio da noite, ela já tem que ir para casa, estudar para uma prova qualquer. Bio síntese sei lá do que. Maldita cdf. Beijo seu rosto e a mesma mão que segurava seu cabelo, ela coloca em meu queixo. 3 segundos, não mais do que isso, foi o tempo que minha boca encostou-se àquele rosto tão macio. Entretanto, nesse intervalo, me vieram à tona milhões de pensamentos. Uma amiga. Nunca fora nada mais do que isso. Nunca pensei em tratá-la diferente. Mas, e se minha boca escorregasse até a sua? Qual seria a reação dela? E se a boca dela escorregasse até a minha? Agiria, eu, normalmente? Fugiria? Corresponderia? E se ambos escorregássemos, um na direção do outro, com tamanha intensidade que teríamos, por alguma estranha razão, naquele momento a nítida certeza que fora sempre isso que desejamos? E se, e se, e se? Dúvidas e mais dúvidas que me apareciam em milésimos de segundo, num despejo alucinado de adrenalina, endorfina ou sei lá que substância dispara um coração nessas horas. Coração esse que me subia até a garganta, como que em um louco desejo de se fazer ouvir.
Em meio a tantas dúvidas, apenas uma, maldita, se sobressaía: e se ela não quiser? Maldito medo da rejeição, que me faz tão fraco. Tão estúpido. Talvez, se essa despedida acontecesse no fim da noite, no auge do efeito alcoólico sobre mim, o resultado poderia ser outro. Mas, não.
Incrível como, em tão curto período, ainda consigo tempo para sentir medo. Maldito medo. Não penso em mais nada, apenas no medo. E se, e se, e se? Maldita dúvida. Maldito sentimento que, até pouco tempo atrás, não existia e agora parece tão intenso. Maldito coração. Maldito cheiro bom.
Afasto minha boca do rosto dela e nessa hora acordo. Maldito sonho.
Em meio a tantas dúvidas, apenas uma, maldita, se sobressaía: e se ela não quiser? Maldito medo da rejeição, que me faz tão fraco. Tão estúpido. Talvez, se essa despedida acontecesse no fim da noite, no auge do efeito alcoólico sobre mim, o resultado poderia ser outro. Mas, não.
Incrível como, em tão curto período, ainda consigo tempo para sentir medo. Maldito medo. Não penso em mais nada, apenas no medo. E se, e se, e se? Maldita dúvida. Maldito sentimento que, até pouco tempo atrás, não existia e agora parece tão intenso. Maldito coração. Maldito cheiro bom.
Afasto minha boca do rosto dela e nessa hora acordo. Maldito sonho.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Saudade
Pelo vidro da janela, observa a chuva cair enquanto sente uma profunda nostalgia. Seus olhos ameaçam uma lágrima e ela lembra que há muito seu rosto não sente uma só gota rolar. Não chora mais. Ainda hoje, se permite às vezes – e só às vezes – sentir saudades daquela última lágrima, e pensa que, com ela, talvez se fora a melhor parte de si. Não crê estar mais forte por isso, pelo contrário, agora tem mais medo. E tudo que faz tem sempre certo olhar de desconfiança. Não, com certeza, não está mais forte. Parece que apenas cansou de sofrer e permite-se, uma vez mais, sorrir. E, talvez um dia, não lembrar mais do tempo em que chorava. Como muitos outros resquícios de sensações que empurra diariamente - meio cansada, meio aflita, meio nostálgica; hoje ela é meio feliz. Com toda ambiguidade que esse “meio” possa permitir, ela sabe que, por mais alegres que sejam seus dias, uma parte dessa quase felicidade, ficou lá atrás. Rolou, junto com a última lágrima que desperdiçara por ele.
Revira suas coisas e encontra, meio empoeirado, um diário onde escrevia tudo aquilo que sentia. Coisas que deveriam ter sido ditas, mas esbarraram no medo. E, mesmo que entaladas na garganta, precisavam “ser”. Palavras que quanto mais não ditas, mais intensas eram. Portanto, as escrevia.
Folhando as páginas do diário, encontrou dobrado um pequeno papel. Laminado de um lado, áspero de outro – desses que se encontra em bombons. Nele, à lápis, escrito apenas: “...queria um abraço teu...”. Por um milésimo de segundo, ao ler aquela pequena inscrição, ela se transporta para a época em que se conheceram. Tempo em que, com ele, sentava no chão da sala, escutava música e falava besteira. Marcava festinhas, cafés com cuca, banhos de chuva. Tempo em que era feliz. Tinha dúzias de amigas, porém, apaixonara-se, justamente, por seu melhor amigo. Ele, com todos seus defeitos – que por sinal, não importavam para ela; ele, que dentre todos os pecados inconcebíveis, pôde cometer o mais absurdo deles: o de Não gostar dela.
Apesar disso, não se lembra daquele tempo com rancor. Acha incrível como só aquele, que é o outro, pode nos mostrar quem somos. Esboça um pequeno sorriso ao pensar como seria se ele lesse aquele diário recheado de páginas a seu respeito. Então, uma lágrima solitária rola por seu rosto e cai sobre as folhas abertas do diário. Não é tristeza, nem dor. Apenas, saudade.
Revira suas coisas e encontra, meio empoeirado, um diário onde escrevia tudo aquilo que sentia. Coisas que deveriam ter sido ditas, mas esbarraram no medo. E, mesmo que entaladas na garganta, precisavam “ser”. Palavras que quanto mais não ditas, mais intensas eram. Portanto, as escrevia.
Folhando as páginas do diário, encontrou dobrado um pequeno papel. Laminado de um lado, áspero de outro – desses que se encontra em bombons. Nele, à lápis, escrito apenas: “...queria um abraço teu...”. Por um milésimo de segundo, ao ler aquela pequena inscrição, ela se transporta para a época em que se conheceram. Tempo em que, com ele, sentava no chão da sala, escutava música e falava besteira. Marcava festinhas, cafés com cuca, banhos de chuva. Tempo em que era feliz. Tinha dúzias de amigas, porém, apaixonara-se, justamente, por seu melhor amigo. Ele, com todos seus defeitos – que por sinal, não importavam para ela; ele, que dentre todos os pecados inconcebíveis, pôde cometer o mais absurdo deles: o de Não gostar dela.
Apesar disso, não se lembra daquele tempo com rancor. Acha incrível como só aquele, que é o outro, pode nos mostrar quem somos. Esboça um pequeno sorriso ao pensar como seria se ele lesse aquele diário recheado de páginas a seu respeito. Então, uma lágrima solitária rola por seu rosto e cai sobre as folhas abertas do diário. Não é tristeza, nem dor. Apenas, saudade.
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Cópias
Garota estranha. Usava apenas preto, freqüentava porões, becos e cabarés. Dizia amar demais, por isso pulava de paixão em paixão. Amava a todos, conseqüentemente, não amava nenhum.
Preferia a noite, talvez, por saber que nela tudo se mascara. Gostava de beber. Não pelo gosto, nem pelo efeito entorpecente. Apenas porque depois de algumas doses, ao se olhar no espelho, achava-se bonita – só assim. À luz do dia, tantas coisas a calavam, porém, à noite o mundo se moldava conforme a sua vontade. Era quem quisesse ser. Era todas, e quem sabe até, meio escondida de si, conseguisse ser ela mesma.
E foi em uma dessas noites em que tudo que conseguimos ver são luzes, música e silhuetas. Ela, estranha de olhos tão profundos e sombrios quanto o preto que vestia, parou em meio aquela multidão e teve o que se poderia chamar de uma “quase” epifania. Não tivera uma grande revelação, nem descobrirá algo extraordinário. Apenas se dera conta de que, apesar de estar rodeada de pessoas, ainda assim estava só. E por isso, sentira-se a pessoa mais infeliz do mundo.
Apenas por reflexo, tomou mais um gole de sua bebida, largou o copo sobre uma mesa e saiu em direção a porta, decidida a ir embora. No caminho pensou na vida, na morte, nas coisas. Julgou-se uma ladra. Copia palavras, usurpa idéias. Tudo que pensa ser dela, outro, na verdade, disse antes. Até aquele que julgava amar, por outra já fora amado. Será que nada do que fizesse seria original? Nada, além de constantes plágios.
Sem prestar atenção no caminho, entra por uma rua escura. O vento sopra forte. A noite é intensa. Sob a luz da lua, de cabeça baixa, ela passa por aquela rua estreita. Escuta um barulho e, ao olhar, tropeça em uma garrafa jogada na calçada. Cai no chão e dá risada do próprio infortúnio. Deitada no chão olha para o alto e vê o vento balançar uma janela que, de tanto bater, se quebra jogando em sua direção um caco de vidro do tamanho de uma escova de cabelos. O vidro rasga seu olho. Morre na hora.
Ela, garota estranha dos olhos profundos, que passou seus últimos momentos pensando ter uma vida de cópias, teve, finalmente, o que queria. Originalidade. Ao menos na morte.
Preferia a noite, talvez, por saber que nela tudo se mascara. Gostava de beber. Não pelo gosto, nem pelo efeito entorpecente. Apenas porque depois de algumas doses, ao se olhar no espelho, achava-se bonita – só assim. À luz do dia, tantas coisas a calavam, porém, à noite o mundo se moldava conforme a sua vontade. Era quem quisesse ser. Era todas, e quem sabe até, meio escondida de si, conseguisse ser ela mesma.
E foi em uma dessas noites em que tudo que conseguimos ver são luzes, música e silhuetas. Ela, estranha de olhos tão profundos e sombrios quanto o preto que vestia, parou em meio aquela multidão e teve o que se poderia chamar de uma “quase” epifania. Não tivera uma grande revelação, nem descobrirá algo extraordinário. Apenas se dera conta de que, apesar de estar rodeada de pessoas, ainda assim estava só. E por isso, sentira-se a pessoa mais infeliz do mundo.
Apenas por reflexo, tomou mais um gole de sua bebida, largou o copo sobre uma mesa e saiu em direção a porta, decidida a ir embora. No caminho pensou na vida, na morte, nas coisas. Julgou-se uma ladra. Copia palavras, usurpa idéias. Tudo que pensa ser dela, outro, na verdade, disse antes. Até aquele que julgava amar, por outra já fora amado. Será que nada do que fizesse seria original? Nada, além de constantes plágios.
Sem prestar atenção no caminho, entra por uma rua escura. O vento sopra forte. A noite é intensa. Sob a luz da lua, de cabeça baixa, ela passa por aquela rua estreita. Escuta um barulho e, ao olhar, tropeça em uma garrafa jogada na calçada. Cai no chão e dá risada do próprio infortúnio. Deitada no chão olha para o alto e vê o vento balançar uma janela que, de tanto bater, se quebra jogando em sua direção um caco de vidro do tamanho de uma escova de cabelos. O vidro rasga seu olho. Morre na hora.
Ela, garota estranha dos olhos profundos, que passou seus últimos momentos pensando ter uma vida de cópias, teve, finalmente, o que queria. Originalidade. Ao menos na morte.
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Desencontros
Fecho a porta e caminho em direção ao banheiro. Olho à esquerda e por uma fresta vejo, semi-nua, a estranha que trouxe comigo da festa. “Quem era?” – grita ela do quarto, espreguiçando-se em minha cama.
- Só uma amiga – respondo, enquanto entro no chuveiro.
- Meio tarde, não?
- Também acho – murmurei para mim mesmo e, enquanto a água limpava meu corpo, as lágrimas me lavavam a alma. – Muito tarde.
****
À tarde, na volta pra casa, em um táxi qualquer, eu disse à ela: “besteira, você pode escolher o cara que quiser”. E estava certo. Azar o meu. “Nos vemos à noite” – falei, enquanto me despedia com um sorriso no rosto. Se, muitas vezes, choramos de felicidade, creio que, naquela hora, sorria de tristeza. Talvez, lamentando por tudo que poderia ter dito e não disse. Pelo que poderia ter feito e não fiz... não fiz.
Lembro que saí do carro de maneira surreal, sem rumo, sem direção, ou melhor, na direção contrária daquilo que me corroía. Embebido no meu próprio medo. Entrei em casa e fechei a porta como uma presa que finalmente encontra um abrigo seguro.
Mais tarde, logo que cheguei à festa, a vi do outro lado do salão e caminhei em sua direção. Porém, quando me aproximei, notei que ela não estava sozinha. Havia outro ao seu lado.
Vida de merda! – pensei. Olhei à minha volta, e me aproximei da primeira guria que pareceu ao menos um pouco agradável, na tentativa infame de, talvez, provocar nela o mesmo ciúme que me dominava naquele instante.
Estranhamente, ela me olhou, cerrou os olhos, virou o rosto e beijou o sujeito, sem graça, que a acompanhava.
A noite avançou. Bebi um pouco, não, bebi muito. Quisera eu, que aquela que almejo, tivesse por mim a mesma presteza que esta, com quem falava.
Perguntei-me – num devaneio alcoólico – se, posto que ela, de quem gosto, gosta de outro. Deveria meu dia, ou melhor, minha noite, ser mais cinza por isso? Devia, eu, me afogar em lamentos? Penso que não. E como resposta a tudo isso que me incomodava, beijei esta estranha que sequer sabia o nome. Se a fosse nomear, chamaria de SUBSTITUTA. Não passava disso e, ao invés de preencher o que me faltava, apenas aumentava o vazio.
****
Já em casa, ouço a campainha da porta tocar. São 2h da madrugada e me pergunto quem poderia ser a uma hora dessas. Olho pelo olho mágico da porta e me surpreendo. Rapidamente abro a porta e lá está ela, parada, olhando para mim e sorrindo.
- Acabei com ele – disse, com a voz mais doce do mundo – posso ficar com você?
Imediatamente o coração dispara, minhas pernas fraquejam, emudeço. Minha surpresa é tamanha que quase me falta o ar para respirar. Quem eu mais quero está aqui, diante dos meus olhos, pedindo para ficar comigo. Então, em um lento movimento, meus lábios se abrem e de minha boca sai uma única palavra:
- Não.
- Só uma amiga – respondo, enquanto entro no chuveiro.
- Meio tarde, não?
- Também acho – murmurei para mim mesmo e, enquanto a água limpava meu corpo, as lágrimas me lavavam a alma. – Muito tarde.
****
À tarde, na volta pra casa, em um táxi qualquer, eu disse à ela: “besteira, você pode escolher o cara que quiser”. E estava certo. Azar o meu. “Nos vemos à noite” – falei, enquanto me despedia com um sorriso no rosto. Se, muitas vezes, choramos de felicidade, creio que, naquela hora, sorria de tristeza. Talvez, lamentando por tudo que poderia ter dito e não disse. Pelo que poderia ter feito e não fiz... não fiz.
Lembro que saí do carro de maneira surreal, sem rumo, sem direção, ou melhor, na direção contrária daquilo que me corroía. Embebido no meu próprio medo. Entrei em casa e fechei a porta como uma presa que finalmente encontra um abrigo seguro.
Mais tarde, logo que cheguei à festa, a vi do outro lado do salão e caminhei em sua direção. Porém, quando me aproximei, notei que ela não estava sozinha. Havia outro ao seu lado.
Vida de merda! – pensei. Olhei à minha volta, e me aproximei da primeira guria que pareceu ao menos um pouco agradável, na tentativa infame de, talvez, provocar nela o mesmo ciúme que me dominava naquele instante.
Estranhamente, ela me olhou, cerrou os olhos, virou o rosto e beijou o sujeito, sem graça, que a acompanhava.
A noite avançou. Bebi um pouco, não, bebi muito. Quisera eu, que aquela que almejo, tivesse por mim a mesma presteza que esta, com quem falava.
Perguntei-me – num devaneio alcoólico – se, posto que ela, de quem gosto, gosta de outro. Deveria meu dia, ou melhor, minha noite, ser mais cinza por isso? Devia, eu, me afogar em lamentos? Penso que não. E como resposta a tudo isso que me incomodava, beijei esta estranha que sequer sabia o nome. Se a fosse nomear, chamaria de SUBSTITUTA. Não passava disso e, ao invés de preencher o que me faltava, apenas aumentava o vazio.
****
Já em casa, ouço a campainha da porta tocar. São 2h da madrugada e me pergunto quem poderia ser a uma hora dessas. Olho pelo olho mágico da porta e me surpreendo. Rapidamente abro a porta e lá está ela, parada, olhando para mim e sorrindo.
- Acabei com ele – disse, com a voz mais doce do mundo – posso ficar com você?
Imediatamente o coração dispara, minhas pernas fraquejam, emudeço. Minha surpresa é tamanha que quase me falta o ar para respirar. Quem eu mais quero está aqui, diante dos meus olhos, pedindo para ficar comigo. Então, em um lento movimento, meus lábios se abrem e de minha boca sai uma única palavra:
- Não.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Boa Noite
Lá fora o carro de som anuncia o fim do mundo. Outra convocação para uma missa da Igreja Universal.
-Universal! exclama meu irmão, enquanto mostra um aparelho em suas mãos – um carregador universal. Carrega qualquer tipo de bateria de celular.
Ligou o aparelho em uma tomada a fim de testá-lo e já fazer uso da nova aquisição. Luzes coloridas saem do carregador, azul, vermelho, verde, amarelo, é fascinante. “Todos os tipos de bateria! Que aparelhinho incrível” – penso, enquanto sorrio e me preparo para dormir.
Aos pés da cama, há um pequeno guarda-roupa que divide o quarto ao meio, de costas para mim e de frente para a lateral da cama de meu irmão. Enquanto espero o sono chegar, observo, no escuro, as luzes coloridas do carregador refletidas, agora mais intensamente, nas costas do guarda-roupa. As cores ditam um ritmo frenético que proporcionam um verdadeiro show de luzes.
O tempo passa, o sono não chega. Já escuto um ronco baixo vindo do outro lado do quarto. O barulho aumenta. Já é a décima vez que mudo de posição na cama. Mesmo com os olhos fechados ainda noto a luz do carregador piscando incessantemente. Abro os olhos. Na rua, o som de uma ambulância combina com a luz dentro do quarto.
Chamo meu irmão uma vez, para ver se ele acorda. Sem sucesso, volto a me revirar na cama. Mais alguns minutos se passam, o barulho agora já se confunde com o som dos carros que passam. Apóio os pés no guarda-roupa. Ele balança.
Insuportável! Mas é meu irmão – penso, enquanto encolho as pernas.
Contar carneiros talvez ajude. Me pego imaginando-os pulando a cerca branca de uma bonita fazenda. Até os carneiros roncam.
A luz parece piscar cada vez mais rápida. O ronco agora é constante. Fecho os olhos, mas não consigo pensar em mais nada a não ser, no leão que ruge a poucos metros e no maldito show de luzes coloridas. O fim do mundo anunciado mais cedo, agora não me parece mais tão absurdo. Novamente escoro os pés nas costas do guarda-roupa. Mais uma vez, ele balança. Ouço um último roncar. Não resisto. Agora sim que não durmo mais.
-Universal! exclama meu irmão, enquanto mostra um aparelho em suas mãos – um carregador universal. Carrega qualquer tipo de bateria de celular.
Ligou o aparelho em uma tomada a fim de testá-lo e já fazer uso da nova aquisição. Luzes coloridas saem do carregador, azul, vermelho, verde, amarelo, é fascinante. “Todos os tipos de bateria! Que aparelhinho incrível” – penso, enquanto sorrio e me preparo para dormir.
Aos pés da cama, há um pequeno guarda-roupa que divide o quarto ao meio, de costas para mim e de frente para a lateral da cama de meu irmão. Enquanto espero o sono chegar, observo, no escuro, as luzes coloridas do carregador refletidas, agora mais intensamente, nas costas do guarda-roupa. As cores ditam um ritmo frenético que proporcionam um verdadeiro show de luzes.
O tempo passa, o sono não chega. Já escuto um ronco baixo vindo do outro lado do quarto. O barulho aumenta. Já é a décima vez que mudo de posição na cama. Mesmo com os olhos fechados ainda noto a luz do carregador piscando incessantemente. Abro os olhos. Na rua, o som de uma ambulância combina com a luz dentro do quarto.
Chamo meu irmão uma vez, para ver se ele acorda. Sem sucesso, volto a me revirar na cama. Mais alguns minutos se passam, o barulho agora já se confunde com o som dos carros que passam. Apóio os pés no guarda-roupa. Ele balança.
Insuportável! Mas é meu irmão – penso, enquanto encolho as pernas.
Contar carneiros talvez ajude. Me pego imaginando-os pulando a cerca branca de uma bonita fazenda. Até os carneiros roncam.
A luz parece piscar cada vez mais rápida. O ronco agora é constante. Fecho os olhos, mas não consigo pensar em mais nada a não ser, no leão que ruge a poucos metros e no maldito show de luzes coloridas. O fim do mundo anunciado mais cedo, agora não me parece mais tão absurdo. Novamente escoro os pés nas costas do guarda-roupa. Mais uma vez, ele balança. Ouço um último roncar. Não resisto. Agora sim que não durmo mais.
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Religiosidade
Mais do que apenas viver é preciso ter fé em alguma coisa. Acreditar em algo maior, pois, sem isso, a sociedade seria um verdadeiro caos.
O que seria do homem sem o medo da fúria superior ou a esperança da recompensa divina por uma vida de boas ações?
Fazer o bem só fará sentido se existir o bem e o mal. E as pessoas no fundo o fazem por pensar que seus atos estão sendo avaliados por um Ser Superior que tudo vê.
Além disso, temos o fato da “realidade cômoda”. É mais fácil para as pessoas acreditarem em uma história pronta, que pune atos errados e gratifica os certos, que lhe diz como tudo começou e vai acabar, do que questionar e ponderar se tudo é verdade ou não. Optam pelo comodismo feliz, por algo que os faça acreditar que a vida não é apenas o que se vê.
Tenho uma amiga chamada Roberta. É a pessoa mais feliz que conheço. Casada há 10 anos, Roberta ama seu marido, tem uma vida alegre, estável, onde tudo está onde deveria estar.
Às vezes, e só às vezes, o marido de Roberta chega em casa tarde, recebe ligações misteriosas, faz viagens suspeitas, a trai.
Roberta nunca se importou, nunca questionou nada. Para ela a vida é perfeita. Questionar, para ela, talvez signifique descobrir uma verdade que ela não deseja que seja real.
Ao meu ver, essa verdade em que vive, faz de Roberta uma pessoa melhor, que crê no seu casamento, e é boa e agradecida por isso.
Assim funciona a Religião. Pode não ser a mais pura verdade, podemos às vezes ser traídos por histórias e acontecimentos que não fazem sentido, mas, no fim, nossa religiosidade, esse “querer crer em algo maior”, nos torna pessoas melhores. Queremos crer em algo melhor, queremos ter esperança, e é essa fé que nos impulsiona.
Muitas vezes abrimos mão de um questionamento maior em troca da felicidade, que depende apenas dessa fé para acontecer. Sabemos, no fundo, que nem tudo é verdade, mas ignoramos “detalhes” e damos à história o sentido que nos agrada. Alienados? Talvez. Mas confortáveis em uma realidade que nos faz bem, que nos torna pessoas melhores, como Roberta: a pessoa mais feliz que conheço.
O que seria do homem sem o medo da fúria superior ou a esperança da recompensa divina por uma vida de boas ações?
Fazer o bem só fará sentido se existir o bem e o mal. E as pessoas no fundo o fazem por pensar que seus atos estão sendo avaliados por um Ser Superior que tudo vê.
Além disso, temos o fato da “realidade cômoda”. É mais fácil para as pessoas acreditarem em uma história pronta, que pune atos errados e gratifica os certos, que lhe diz como tudo começou e vai acabar, do que questionar e ponderar se tudo é verdade ou não. Optam pelo comodismo feliz, por algo que os faça acreditar que a vida não é apenas o que se vê.
Tenho uma amiga chamada Roberta. É a pessoa mais feliz que conheço. Casada há 10 anos, Roberta ama seu marido, tem uma vida alegre, estável, onde tudo está onde deveria estar.
Às vezes, e só às vezes, o marido de Roberta chega em casa tarde, recebe ligações misteriosas, faz viagens suspeitas, a trai.
Roberta nunca se importou, nunca questionou nada. Para ela a vida é perfeita. Questionar, para ela, talvez signifique descobrir uma verdade que ela não deseja que seja real.
Ao meu ver, essa verdade em que vive, faz de Roberta uma pessoa melhor, que crê no seu casamento, e é boa e agradecida por isso.
Assim funciona a Religião. Pode não ser a mais pura verdade, podemos às vezes ser traídos por histórias e acontecimentos que não fazem sentido, mas, no fim, nossa religiosidade, esse “querer crer em algo maior”, nos torna pessoas melhores. Queremos crer em algo melhor, queremos ter esperança, e é essa fé que nos impulsiona.
Muitas vezes abrimos mão de um questionamento maior em troca da felicidade, que depende apenas dessa fé para acontecer. Sabemos, no fundo, que nem tudo é verdade, mas ignoramos “detalhes” e damos à história o sentido que nos agrada. Alienados? Talvez. Mas confortáveis em uma realidade que nos faz bem, que nos torna pessoas melhores, como Roberta: a pessoa mais feliz que conheço.
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