Ele era perfeito pra ela. Ótimo emprego, terminando a faculdade, nem muito novo, nem muito velho, dizia ter seus 25 anos e apesar de um pouco desgastado pelos revés que o tempo trouxe, era um homem bonito. A cada palavra que saía de sua boca tinha-se a nítida sensação de que, para ela, o céu era mais azul, os pássaros cantavam mais e o sorriso em seu rosto era cada vez mais constante.
A história parece um conto de fadas pós-moderno, com direito a noites com os amigos, jantares na casa dos pais dela e tudo mais. Cada sorriso dele, dava à ela um motivo a mais para acreditar. Sim, desta vez, era amor.
O ano passou voando. Desse jeitinho que tudo passa quando se está feliz. Quando menos esperavam já estavam morando juntos. Divindo um apartamento bacana na Cidade Baixa. Era um bom lugar. Na época em que foram alugá-lo, ela ainda relutou um pouco, porém foi fácilmente convencida depois de um ou dois sorrisos e um “vai ficar tudo bem” dito, por ele, com a voz mais tranquilizadora do mundo.
Ela ainda ainda organizava algumas coisas que ficaram da mudança. É como dizem, mudança sempre leva tempo demais para ser organizada. Mas o fato é que ainda ouviam-se pássaros cantando ao seu redor, tamanha era a felicidade estampada em seu olhos, quando recebou a visita de uma amiga. Conversaram por um longo tempo, afinal, havia muito papo para se por em dia. A última vez que se encontraram foi a mais de um ano. Ambas ainda eram solteiras e cansavam de acordar “semi-mortas”, uma na casa da outra, sem nem desconfiar como haviam chegado lá depois de uma noite de festa.
A amiga olha um porta-retrato em cima da mesa de centro da sala. Sentada no sofá, estica o braço e pega o objeto. Ainda com um sorriso no rosto, olha a foto presa na moldura. Como se estivesse em câmera lenta, seu sorriso desaparece e depois de um tempo de silêncio, pergunta, quase gaguejando: “é ele?”
Não mais do que 20 minutos foram necessários para que o sol desaparecesse, os pássaros morressem todos e nem mais uma cor se visse até onde seus olhos já cheios de lágrimas pudessem enxergar. Morrera, por dentro, ela também, ali naquela sala.
Tudo não passava de uma grande mentira. O emprego era falso, mal ganhava um salário mínimo, quanto menos poderia-se chamar o que ele tem de “bom emprego”; A faculdade estava apenas no início; Ele mal completara 20 anos. Mentiras e mais mentiras. Uma atrás da outra. Um sociopata enrustido que forjara de telefonemas a visitas de trabalho, era o que ele era. Tudo por uma sórdida satisfação. Um louco, desses que se ve em novela e pensa-se que uma pessoa assim sequer existisse.
Quando acabaram tudo, ele foi embora e levou suas coisas sem dizer uma palavra. Ou melhor, disse muitas. Nenhuma que fosse verdade ou que valesse a pena ser repetida. Diferente dos contos de fada onde donzelas em perigo são salvas por príncipes em grandes cavalos brancos, esta não foi salva. Apenas atravessou a rua, entrou em um bar, sentou em um banco colado ao balcão e pediu:
- Uma cerveja, por favor.
- Dois copos?
- Não, um só.