quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

De repente

Ela sempre aparece de repente, quando percebo já está lá, na área dos fumantes da empresa que fica bem em frente a minha janela. Todos os dias depois do almoço, ela para na beira da sacada e olha a rua. Olha como se visse muito mais do que está a sua frente, olha como se naquela rua seu passado desfilasse, esnobe, jogando-lhe na cara tudo que perdera. Um passado triste, talvez de escolhas erradas, que agora ela observa tentando encontrar o ponto exato onde errou. Parada ali, essa moça de pele branca, cabelos negros e olhos tão profundos que fariam qualquer um se afogar - caso olhasse-os por muito tempo – exala tristeza em cada póro de seu corpo. Uma tristeza da alma, da vida, da solidão. Cigarro após cigarro ela apenas observa a rua, como se a cada tragada ela soprasse para longe todas as lembranças tristes. Tristeza tal, que sufoca até mesmo a mim, que apenas observo-a de longe. A cada instante que passa, fico imaginando quando será o instante derradeiro em que a lágrima cairá. Mas esse instante não chega. Nenhuma lágrima cai, nenhuma expressão muda. Ela simplesmente apaga o que sobra do cigarro e vai embora.
Sem herói, sem príncipe encantado, sem sorriso amigo. Ela simplesmente volta ao trabalho. E pior que o medo, raiva ou dor, que outrora sentia, é essa indiferença que parece lhe dominar. De uma maneira irreal, completa e sufocante, não sente nada. Olha a rua uma última vez, na espectativa de sentir alguma coisa, gostar de algo. Mas tal espectativa passa e, com essa vontade, vai também um pedaço do que lhe resta de humanidade. E, cada vez mais, se transforma nesse “nada” que sente.
Tão de repente como ela vai, me vem de uma hora pra outra essa tristeza que nem minha é. Louca e desvairada tristeza que observa de longe, mas que me parece tão próxima, tão minha. E que, em um momento de puro egoísmo, se vai. Percebo então, que no fundo me sinto contente por não estar no lugar daquela garota. ‘Fica bem’- sussurro, como que me despedindo da estranha do outro lado da rua. E com um misto de tristeza alheia e felicidade própria, volto ao trabalho também.