terça-feira, 18 de outubro de 2011

Lágrima de Festa

Escova os cabelos negros e lisos na frente do espelho. Pinta os olhos e o olhar, já normalmente triste, ganha um ar ainda mais sombrio que contrasta com o sorriso inegavelmente bonito. Mesmo assim, com certo desagrado pelo que vê, se olha no espelho uma última vez antes de sair para uma festa qualquer.
A verdade é que ela é infeliz o tempo todo. Há quem diga que isso é impossível, mas o fato é que mesmo quando sorri, algo dessa dor que carrega ainda está lá escondido, esperando. É como quando se está chorando e alguém fala algo engraçado e, mesmo com o rosto ainda cheio de lágrimas, você esboça um sorriso, mas nada mudou. Apesar do sorriso passageiro as lágrimas ainda demorarão muito para secar.
Parece estranho. É algo que ela não consegue explicar, que lhe pertuba. Uma sensação de vazio e um constante nó na garganta, quase como um grito abafado que nunca se liberta.
Mesmo rodeada de amigos, música, sorrisos e bebida – muita bebida – ela não consegue se conter e, talvez até por culpa dessa última, no meio da festa uma lágrima em fuga escorre-lhe o rosto. Rebento desgarrado de um poço de outras tantas. Gota que foge em um momento de descuido, forçada pela leveza da embriaguez, a visão do ser amado com outra, por lembrar de algo. Tanto faz.
Quando um estranho vem e lhe pergunta se está tudo bem, já nenhuma outra corre o risco de deixar-se escapar. É como se o elástico que prende a máscara responsável por esconder sua tristeza tivesse escapado de repente e parte de sua dor se tornasse visível por alguns instantes. Como disfarce, distribui alguns sorrisos tímidos para reafirmar que está tudo bem. Toma mais um ou dois goles da primeira bebida que enxerga, ganha fôlego e tudo volta a ser como de costume. Feliz, para quem vê, mas infeliz o tempo todo.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Conto de Fadas

Ele era perfeito pra ela. Ótimo emprego, terminando a faculdade, nem muito novo, nem muito velho, dizia ter seus 25 anos e apesar de um pouco desgastado pelos revés que o tempo trouxe, era um homem bonito. A cada palavra que saía de sua boca tinha-se a nítida sensação de que, para ela, o céu era mais azul, os pássaros cantavam mais e o sorriso em seu rosto era cada vez mais constante.
A história parece um conto de fadas pós-moderno, com direito a noites com os amigos, jantares na casa dos pais dela e tudo mais. Cada sorriso dele, dava à ela um motivo a mais para acreditar. Sim, desta vez, era amor.
O ano passou voando. Desse jeitinho que tudo passa quando se está feliz. Quando menos esperavam já estavam morando juntos. Divindo um apartamento bacana na Cidade Baixa. Era um bom lugar. Na época em que foram alugá-lo, ela ainda relutou um pouco, porém foi fácilmente convencida depois de um ou dois sorrisos e um “vai ficar tudo bem” dito, por ele, com a voz mais tranquilizadora do mundo.
Ela ainda ainda organizava algumas coisas que ficaram da mudança. É como dizem, mudança sempre leva tempo demais para ser organizada. Mas o fato é que ainda ouviam-se pássaros cantando ao seu redor, tamanha era a felicidade estampada em seu olhos, quando recebou a visita de uma amiga. Conversaram por um longo tempo, afinal, havia muito papo para se por em dia. A última vez que se encontraram foi a mais de um ano. Ambas ainda eram solteiras e cansavam de acordar “semi-mortas”, uma na casa da outra, sem nem desconfiar como haviam chegado lá depois de uma noite de festa.
A amiga olha um porta-retrato em cima da mesa de centro da sala. Sentada no sofá, estica o braço e pega o objeto. Ainda com um sorriso no rosto, olha a foto presa na moldura. Como se estivesse em câmera lenta, seu sorriso desaparece e depois de um tempo de silêncio, pergunta, quase gaguejando: “é ele?”
Não mais do que 20 minutos foram necessários para que o sol desaparecesse, os pássaros morressem todos e nem mais uma cor se visse até onde seus olhos já cheios de lágrimas pudessem enxergar. Morrera, por dentro, ela também, ali naquela sala.
Tudo não passava de uma grande mentira. O emprego era falso, mal ganhava um salário mínimo, quanto menos poderia-se chamar o que ele tem de “bom emprego”; A faculdade estava apenas no início; Ele mal completara 20 anos. Mentiras e mais mentiras. Uma atrás da outra. Um sociopata enrustido que forjara de telefonemas a visitas de trabalho, era o que ele era. Tudo por uma sórdida satisfação. Um louco, desses que se ve em novela e pensa-se que uma pessoa assim sequer existisse.
Quando acabaram tudo, ele foi embora e levou suas coisas sem dizer uma palavra. Ou melhor, disse muitas. Nenhuma que fosse verdade ou que valesse a pena ser repetida. Diferente dos contos de fada onde donzelas em perigo são salvas por príncipes em grandes cavalos brancos, esta não foi salva. Apenas atravessou a rua, entrou em um bar, sentou em um banco colado ao balcão e pediu:
- Uma cerveja, por favor.
- Dois copos?
- Não, um só.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Que inveja

É estranho. Diria até que beira o bizarro o quanto é difícil escrever um bom texto. Teoricamente parece fácil, basta escrever o que se tem na cabeça. O que vier à mente. Letra por letra, palavra após palavra, uma ideia depois da outra e pronto, texto feito. Mas não é.
Acredito que funcione, mais ou menos, como quando alguém pergunta o significado de uma palavra difícil. Você sabe o que significa, conhece o sentido, mas não consegue transcrever para os outros o significado e, geralmente, a única coisa que balbucia é “Eu sei o que é, mas não sei explicar.”
A história está toda alí, martelando na sua cabeça. Praticamente implorando para ser escrita. Algumas vezes você até consegue contar trechos dela para outra pessoa, mas na hora de escrever, nada acontece. A história simplesmente esconde-se na sua mente, atrás de uma barreira que fronteira o imaginário e a escrita. No exato momento em que a caneta toca o papel, a história esvai-se em fumaças brancas de esquecimento. Escreve-la então, se torna uma eterna Odisséia à caça de nuvens de pensamentos soltos que, tão nítidos até pouco tempo, agora apenas fazem parte de um enorme quebra-cabeças literário.
Invejo alguns “Caçadores de Nuvens”, como uma guria que conheço que escreve em “doses” geniais da própria vida, ou outra que esbanja textos esportivos como se fossem contos. Ivejo-as como conseguem, tão facilmente, montar estes quebra-cabeças que para mim são tão difíceis.
Invejo, mas não por mal. Porém, pensando um pouco, lembrei que certa vez ouvi que “não exite inveja boa”. E olhando por esse ângulo, o que sinto não seria inveja, então, seria outra coisa. Uma admiração misturada com querer pra si. Um misto de abobação e indignação. Um fascínio quase estranho. Em poucas palavras: eu sei o que é, mas não sei explicar.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

De repente

Ela sempre aparece de repente, quando percebo já está lá, na área dos fumantes da empresa que fica bem em frente a minha janela. Todos os dias depois do almoço, ela para na beira da sacada e olha a rua. Olha como se visse muito mais do que está a sua frente, olha como se naquela rua seu passado desfilasse, esnobe, jogando-lhe na cara tudo que perdera. Um passado triste, talvez de escolhas erradas, que agora ela observa tentando encontrar o ponto exato onde errou. Parada ali, essa moça de pele branca, cabelos negros e olhos tão profundos que fariam qualquer um se afogar - caso olhasse-os por muito tempo – exala tristeza em cada póro de seu corpo. Uma tristeza da alma, da vida, da solidão. Cigarro após cigarro ela apenas observa a rua, como se a cada tragada ela soprasse para longe todas as lembranças tristes. Tristeza tal, que sufoca até mesmo a mim, que apenas observo-a de longe. A cada instante que passa, fico imaginando quando será o instante derradeiro em que a lágrima cairá. Mas esse instante não chega. Nenhuma lágrima cai, nenhuma expressão muda. Ela simplesmente apaga o que sobra do cigarro e vai embora.
Sem herói, sem príncipe encantado, sem sorriso amigo. Ela simplesmente volta ao trabalho. E pior que o medo, raiva ou dor, que outrora sentia, é essa indiferença que parece lhe dominar. De uma maneira irreal, completa e sufocante, não sente nada. Olha a rua uma última vez, na espectativa de sentir alguma coisa, gostar de algo. Mas tal espectativa passa e, com essa vontade, vai também um pedaço do que lhe resta de humanidade. E, cada vez mais, se transforma nesse “nada” que sente.
Tão de repente como ela vai, me vem de uma hora pra outra essa tristeza que nem minha é. Louca e desvairada tristeza que observa de longe, mas que me parece tão próxima, tão minha. E que, em um momento de puro egoísmo, se vai. Percebo então, que no fundo me sinto contente por não estar no lugar daquela garota. ‘Fica bem’- sussurro, como que me despedindo da estranha do outro lado da rua. E com um misto de tristeza alheia e felicidade própria, volto ao trabalho também.