sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Te odeio

Entra correndo e fecha porta do quarto com tanta força que o barulho ecoa pela casa inteira. Bate com as costas na porta e lentamente escorrega até o chão. Sentada na pedra fria, sente um vazio tão intenso e assustador que parece que nada que diga ou faça vai preenchê-lo, nunca. Tem a nítida sensação de que algo lhe está sendo arrancado do peito. Sozinha nesse quarto escuro consegue enxergar, em um armário ao seu lado, uma garrafa de uísque. Arrasta-se até ela, tira a tampa e bebe goles e mais goles. Puros, secos e quentes goles de uísque amargo. Num amargo d’alma, do que sente, do que não queria sentir. Ela bebe, na inútil esperança de melhorar. Como se o gosto amargo do uísque fosse apagar a cena que acabara de ver. Como se ficar bêbada a fizesse esquecer-se dele beijando outra. Não esquece; tão pouco melhora.
Fecha os olhos e uma lágrima, tão solitária quanto ela, escorre junto aos restos negros da maquiagem que borra o branco do seu rosto. Rosto esse, que antes parecia o de um anjo e agora não passa de um retrato grotesco de desespero. Abre a boca e com a voz rouca e melancólica sussurra, sem forças, sem esperanças: - te odeio – como que tentando convencer a si, mais uma vez - te odeio. A voz aos poucos vai aumentando, ganhando força, raiva - te odeio, te odeio - aumenta mais e mais - te odeio - e ela grita o mais alto que consegue suportar, grita para todos, para ninguém, para si, pela última vez -TE ODEIO. E chora, copiosamente, chora. Aos soluços, já nem perde mais tempo enxugando as lágrimas, deixa que corram e molhem o chão frio.
O nó na garganta parece aumentar cada vez mais, o peito aperta, tudo é sufocante, agonizante. Mais um gole do uísque, mais uma lágrima. Tomada pelo cansaço, lentamente, vai adormecendo, porém não antes que o vazio sussurre-lhe aos ouvidos mais uma vez: - te odeio.