segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Maldito

Sentado, ainda com um taco de sinuca na mão, em uma mesa amarela, de plástico, em um boteco barato. Termino minha cerveja, já quente, e peço outra ao garçom. Olho pra frente e vejo-a vindo em minha direção. Magra, alta, com a pele clara. Muito clara. Inclina-se na minha direção e uma mecha de cabelo, tão vermelha quanto o fogo, lhe cai sobre o rosto. Deus, que cheiro! - penso, enquanto ela oferece-me a face para um beijo de despedida. É tarde, e enquanto eu ainda estou no meio da noite, ela já tem que ir para casa, estudar para uma prova qualquer. Bio síntese sei lá do que. Maldita cdf. Beijo seu rosto e a mesma mão que segurava seu cabelo, ela coloca em meu queixo. 3 segundos, não mais do que isso, foi o tempo que minha boca encostou-se àquele rosto tão macio. Entretanto, nesse intervalo, me vieram à tona milhões de pensamentos. Uma amiga. Nunca fora nada mais do que isso. Nunca pensei em tratá-la diferente. Mas, e se minha boca escorregasse até a sua? Qual seria a reação dela? E se a boca dela escorregasse até a minha? Agiria, eu, normalmente? Fugiria? Corresponderia? E se ambos escorregássemos, um na direção do outro, com tamanha intensidade que teríamos, por alguma estranha razão, naquele momento a nítida certeza que fora sempre isso que desejamos? E se, e se, e se? Dúvidas e mais dúvidas que me apareciam em milésimos de segundo, num despejo alucinado de adrenalina, endorfina ou sei lá que substância dispara um coração nessas horas. Coração esse que me subia até a garganta, como que em um louco desejo de se fazer ouvir.
Em meio a tantas dúvidas, apenas uma, maldita, se sobressaía: e se ela não quiser? Maldito medo da rejeição, que me faz tão fraco. Tão estúpido. Talvez, se essa despedida acontecesse no fim da noite, no auge do efeito alcoólico sobre mim, o resultado poderia ser outro. Mas, não.
Incrível como, em tão curto período, ainda consigo tempo para sentir medo. Maldito medo. Não penso em mais nada, apenas no medo. E se, e se, e se? Maldita dúvida. Maldito sentimento que, até pouco tempo atrás, não existia e agora parece tão intenso. Maldito coração. Maldito cheiro bom.
Afasto minha boca do rosto dela e nessa hora acordo. Maldito sonho.