quarta-feira, 28 de julho de 2010

Saudade

Pelo vidro da janela, observa a chuva cair enquanto sente uma profunda nostalgia. Seus olhos ameaçam uma lágrima e ela lembra que há muito seu rosto não sente uma só gota rolar. Não chora mais. Ainda hoje, se permite às vezes – e só às vezes – sentir saudades daquela última lágrima, e pensa que, com ela, talvez se fora a melhor parte de si. Não crê estar mais forte por isso, pelo contrário, agora tem mais medo. E tudo que faz tem sempre certo olhar de desconfiança. Não, com certeza, não está mais forte. Parece que apenas cansou de sofrer e permite-se, uma vez mais, sorrir. E, talvez um dia, não lembrar mais do tempo em que chorava. Como muitos outros resquícios de sensações que empurra diariamente - meio cansada, meio aflita, meio nostálgica; hoje ela é meio feliz. Com toda ambiguidade que esse “meio” possa permitir, ela sabe que, por mais alegres que sejam seus dias, uma parte dessa quase felicidade, ficou lá atrás. Rolou, junto com a última lágrima que desperdiçara por ele.
Revira suas coisas e encontra, meio empoeirado, um diário onde escrevia tudo aquilo que sentia. Coisas que deveriam ter sido ditas, mas esbarraram no medo. E, mesmo que entaladas na garganta, precisavam “ser”. Palavras que quanto mais não ditas, mais intensas eram. Portanto, as escrevia.
Folhando as páginas do diário, encontrou dobrado um pequeno papel. Laminado de um lado, áspero de outro – desses que se encontra em bombons. Nele, à lápis, escrito apenas: “...queria um abraço teu...”. Por um milésimo de segundo, ao ler aquela pequena inscrição, ela se transporta para a época em que se conheceram. Tempo em que, com ele, sentava no chão da sala, escutava música e falava besteira. Marcava festinhas, cafés com cuca, banhos de chuva. Tempo em que era feliz. Tinha dúzias de amigas, porém, apaixonara-se, justamente, por seu melhor amigo. Ele, com todos seus defeitos – que por sinal, não importavam para ela; ele, que dentre todos os pecados inconcebíveis, pôde cometer o mais absurdo deles: o de Não gostar dela.
Apesar disso, não se lembra daquele tempo com rancor. Acha incrível como só aquele, que é o outro, pode nos mostrar quem somos. Esboça um pequeno sorriso ao pensar como seria se ele lesse aquele diário recheado de páginas a seu respeito. Então, uma lágrima solitária rola por seu rosto e cai sobre as folhas abertas do diário. Não é tristeza, nem dor. Apenas, saudade.