segunda-feira, 28 de junho de 2010

Cópias

Garota estranha. Usava apenas preto, freqüentava porões, becos e cabarés. Dizia amar demais, por isso pulava de paixão em paixão. Amava a todos, conseqüentemente, não amava nenhum.
Preferia a noite, talvez, por saber que nela tudo se mascara. Gostava de beber. Não pelo gosto, nem pelo efeito entorpecente. Apenas porque depois de algumas doses, ao se olhar no espelho, achava-se bonita – só assim. À luz do dia, tantas coisas a calavam, porém, à noite o mundo se moldava conforme a sua vontade. Era quem quisesse ser. Era todas, e quem sabe até, meio escondida de si, conseguisse ser ela mesma.
E foi em uma dessas noites em que tudo que conseguimos ver são luzes, música e silhuetas. Ela, estranha de olhos tão profundos e sombrios quanto o preto que vestia, parou em meio aquela multidão e teve o que se poderia chamar de uma “quase” epifania. Não tivera uma grande revelação, nem descobrirá algo extraordinário. Apenas se dera conta de que, apesar de estar rodeada de pessoas, ainda assim estava só. E por isso, sentira-se a pessoa mais infeliz do mundo.
Apenas por reflexo, tomou mais um gole de sua bebida, largou o copo sobre uma mesa e saiu em direção a porta, decidida a ir embora. No caminho pensou na vida, na morte, nas coisas. Julgou-se uma ladra. Copia palavras, usurpa idéias. Tudo que pensa ser dela, outro, na verdade, disse antes. Até aquele que julgava amar, por outra já fora amado. Será que nada do que fizesse seria original? Nada, além de constantes plágios.
Sem prestar atenção no caminho, entra por uma rua escura. O vento sopra forte. A noite é intensa. Sob a luz da lua, de cabeça baixa, ela passa por aquela rua estreita. Escuta um barulho e, ao olhar, tropeça em uma garrafa jogada na calçada. Cai no chão e dá risada do próprio infortúnio. Deitada no chão olha para o alto e vê o vento balançar uma janela que, de tanto bater, se quebra jogando em sua direção um caco de vidro do tamanho de uma escova de cabelos. O vidro rasga seu olho. Morre na hora.
Ela, garota estranha dos olhos profundos, que passou seus últimos momentos pensando ter uma vida de cópias, teve, finalmente, o que queria. Originalidade. Ao menos na morte.