sábado, 7 de novembro de 2009

A Ponte do Rio Que Cai

Das histórias que ouvi, das histórias que contei, poucas foram as que, como esta, tiveram ao mesmo tempo a simplicidade de uma vida sofrida e de experiências e a graça do cotidiano, da estranheza e do inusitado.




Revirando as fotos que tenho guardadas em meu computador, encontrei uma porção de fotos que nem ao menos lembrava que ainda estavam lá. Fotos antigas, misturadas com fotos novas, fotos da cidade de onde me criei, fotos da minha infância. No meio delas estava a foto de um senhor idoso, chegando ao aniversário de meu avô, no primeiro momento não reconheci o homem da foto, mas depois de alguns instantes, forçando minha memória, me venho a cabeça seu nome e –mais ainda – uma história muito antiga, que precedia até meu nascimento. Essa é uma daquelas histórias com moral, ou ao menos, no fundo tenta ter alguma lição a passar. Foi contada inúmeras vezes por meu pai e é umas das muitas que já me contou até hoje.

O “Seu Camargo” como meu pai o chamava. Senhor idoso, beirava seus 60 anos, cabelos grisalho, “magro que era só osso”, assim diziam as crianças do bairro. Lembro até hoje, que desde “piazito” meu pai contava a história do Sr. Camargo. E o incrível era conseguir tirar dessa história, no mínimo engraçada, uma lição que se possa usar para a vida, e isso meu pai fazia muito bem.

Reza a lenda que o Sr. Camargo, morador do subúrbio de Capão da Canoa, era desses freqüentadores assíduos de estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas, ou seja, gostava de uma cachaça que só vendo, não saía do boteco e de jeito algum abria mão da sua “purinha”. Mas até aí tudo bem, de botequeiros de plantão qualquer cidade está cheia. O próprio Sr. Camargo dizia que boteco, cachorro e criança pequena, têm em qualquer lugar. Tinha até seu boteco favorito, comentava que um boteco, pra ser bom, não pode nem ser tão longe de casa que não se possa voltar a pé, nem tão perto que a mulher possa te encontrar ou mandar os “guris” te chamar. Sábias palavras. Porém, contam os mais chegados que a certa altura dos seus porres – que por sinal eram muito frequentes - o Sr. Camargo decidia ir para casa, sozinho, e tropeçando na direção de casa se deparava com “A ponte” em seu caminho - a ponte não era muito grande, quiçá poderia ser chamada de ponte, era mais uma destas travessas de riacho do interior, uma pontezinha de tábuas, por assim dizer. Mas o fato é que o Sr. Camargo, ao tentar atravessá-la alcoolizado, sempre caía. Isso mesmo, desabava sempre do alto daquela ponte. Em um desses porres meu pai fora acompanhá-lo no caminho de casa, amigos de longa data, dos tempos de quartel, os dois foram caminho à dentro conversando. Conversa vai, conversa vem, quando é chegada a hora de atravessar a ponte, a mesma de sempre, porém, desta vez, sem ao menos parar pra pensar o Sr. Camargo continua o assunto e segue atravessando o rio por baixo da ponte, por dentro d’água. Espantado meu pai pergunta:
- Mas tchê! Por que tu não atravessas pela ponte?

Com a maior naturalidade do mundo, no alto do seu porre o Sr. Camargo responde:

-Pra quê? Se eu sei que vou cair!

E desde então o Sr. Camargo nunca mais atravessou o rio por cima da ponte – ao menos, não enquanto estava bêbado.

Se parar pra pensar, sabe que não tiro a razão dele. Claro que é no mínimo estúpido atravessar um rio por dentro d’água, porém penso que ele apenas cansou de cair, poupou tempo e cuidados médicos, se a queda era iminente, para quê insistir?

Às vezes – e é aqui que entra a lição de que meu pai falava - quando nos deparamos com um novo romance, ou uma nova “paixonite” dessas de piá, pensamos se vale à pena tentar atravessar essa ponte, se encaramos o perigo da queda certa ou evitamos tudo isso e vamos logo por dentro d’água, desistindo de algo mais profundo e levando tudo superficialmente. Poderia ser essa uma visão pessimista dos fatos, mas o fato é que mais cedo ou mais tarde teremos que arriscar e a grande sacada nessa hora, não é escolher se vale a pena ou não arriscar atravessar a ponte e sim escolhermos por quem vale a pena cair dela. No final das contas as marcas e os hematomas da queda, não serão apenas marcas e sim troféus de algo que valeu a pena.